O velho narrador sensato e metido a garboso que me
acompanha, diz que a dona das duas luas escuras disfarçadas de olhos é
personagem de algum romance caótico. Dessas que mantém cativa certa fúria nos
cantos obscuros de suas almas, onde ninguém, jamais, será convidado a entrar.
No entanto, o eu lírico inconseqüente que vez ou outra me visita, insiste em
fazer metáfora poética, dizendo que eu posso escolher ser a mosca presa na teia
ou a gota de orvalho que a torna mais bonita quando desliza em seus fios. E eu,
mais sensata que este narrador e menos babaca que este eu lírico, desejo,
apenas, paz. Não tenho planos de pular outros muros, colecionar impossibilidades
ou aceitar o convite e dançar nesse salão imenso. É perigoso que eu pise nos
teus pés, corres o risco de que a música pare e o silêncio impere, lento.
Minhas certezas, nada otimistas, são interrompidas pela voz
que resume em carpe diem toda a complexidade de um sim: “Basta ouvir o
descompasso das respirações.” Então, se somos instantes, eu sou este entre o
cansaço e a surpresa. O narrador inconveniente me segura pelo braço e me atira
na cama onde o “descompasso das respirações” atordoa meus ouvidos. Tamanha
ausência, meu deus! O eu lírico, afogueado, me pede que repare nos movimentos
sinuosos da boca carmim, tão jovem que nem deve saber a que veio. Sem nada
dizer, encaro este rosto como um espelho de ontem. É de uma fragilidade
assustadora e de uma seriedade catastrófica. Leve como a palavra que a nomeia,
verdade, mas bem é sabido o que pode causar o bater das asas de uma borboleta.
Pede, com todas as letras, gestos e ânsias, para ser lapidada, sem saber que
sobre o peito eu sempre preferi pedra bruta, ainda que me arranhe e me faça
sangrar.
Se isso aqui fosse um conto, o narrador elegante daria um
jeito de se autodefender, afastado-se de qualquer sensação rente à pele; se
isso aqui fosse um poema, o eu lírico se deteria às luas escuras psicóticas que
ela traz no rosto; mas sinto uma vontade ainda tímida de mostrar-lhe o avesso
do relógio, que ela diz se arrastar... Uma vontade de que, contrária a paz que
eu busco, a madrugada se estenda atemporal, debruçada num balcão.
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