7 de julho de 2014

Travessia


    Eu queria mesmo saber a quem caberá o silêncio se ele, de repente, chegar. Até agora, o silêncio entre nós durou apenas alguns passos e o tempo de eu ler três letras em teus lábios: vem!  Pronto, barulho!
     Mesmo quando calamos nossas bocas, ainda existe estardalhaço entre os nós dos nossos braços e pernas. E gargantas. A tua, bem mais sonora, a minha quase contida. Não te deixo ouvir a gritaria que minha quietude faz, para não te assustar, assim, tão cedo.  Eu falo pouco mesmo... E quando verbalizo não me deixas terminar nenhuma das frases complicadas que eu preciso dizer para tentar te explicar a teoria do perigo. Não, eu não faço sentido! Se me beijas com essa fome tamanha eu não tenho nexo, a ponte é outra. E atravessamos rindo (para chegar aonde mesmo?), fazendo a festa que terminaria em algumas horas, ou dias... Uma vez, duas vezes, e depois de perder as contas paramos no meio da ponte, de súbito, e eu ouvi teu coração batendo forte dentro do teu corpo completamente meu. Envolvida com o ritmo perigoso das tuas batidas, te dei a liberdade do meu corpo de pássaro, para alimentares teu instinto de fera.  Mas saciavas os teus sentidos antes da tua fome, lentamente.  Depois de atravessarmos a nós mesmas, não precisamos mais de ponte e nos jogamos dela. Na queda, meu desejo vadio se aninhou no teu peito farto e eu vi o riso assanhado deixar teus lábios. Ao pé do meu ouvido tua boca, falando sério, confessava pecados de arrepiar o corpo inteiro, fazia súplicas e promessas capazes de enlouquecer o mais sensato dos mortais e dava ordens que até deus obedeceria.  
    Ontem, flagrei tuas pupilas enormes, e pensei em te contar que errar o tempero da comida é o primeiro sintoma da paixão. Dilatação das pupilas é o segundo. Como eu mal sei cozinhar e não faço ideia do que acontece com meus olhos em cima de ti,  meu sintoma há de ser esse esquecimento dos dias, esse gosto destemperado que as horas têm tido.
    Agora, repetidas vezes em minha lembrança os fios dos teus cabelos dourados deslizam um a um pelo teu pescoço e caem, em peso, no bordô do lençol. Repetidas vezes minhas mãos sentem o arrepio da tua pele quando respiro em tuas costas, de pintas já decoradas. Repetidas vezes o teu deleite manhoso se derrama nos meus pensamentos, aquecendo o meu sangue. E tua voz insiste que a gente faz poesia sem palavra. E tua boca alucina meu nome.
   

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