Foram dias distintos. Em alguns ela se esquivava das minhas
mal pensadas armadilhas e pulava da cama. Vestia uma perna da calça, um tênis,
a outra perna da calça, o outro tênis, fazia café para duas e depois me dava um
beijo fresco que parecia levar um pedaço meu. Outrora acordávamos e ficávamos
enroscadas uma na outra, feito dois bichos em seus movimentos ritualísticos...
Até que o sol estivesse quase no meio do céu, como se não houvesse mundo lá
fora, como se não houvesse amanhã. Vez ou outra me ocorria um sussurro dizendo
que em alguma hora, tardasse ou não, o amanhã chegaria e tomaria para si aquele
deleite todo, com a racionalidade e praticidade que falta à paixão. Lembro desses
e de outros tantos assaltos, meu corpo se arrepia de excitação e medo.
Senti medo desde o dia em que eu soube que ela era,
justamente, quem eu queria amar. Depois de tantas despedidas, descobri que eu
nunca quis que ela fosse a última mulher que partiu, e já não querer a mesma
era meu álibi para o desamor, mas sucede que, quando eu menos esperava, ela me
apresentava outra. Onde será que ela esconde tantas mulheres, afinal?
O fato é que todas sempre me escaparam como a água que
deixava as minhas mãos depois de tocar o rosto e me fazer acordar, como os
pássaros que fogem da minha lente, como a rima que me falta quando eu mais
preciso escrever.
Apesar da vontade de rasgar-lhe a carne moura e resgatar o
coração que ela roubou para pôr no lugar do seu, de vidro, eu ficava com as
lembranças, ainda vivas por aqui: a risada desafiadora; os quatro
cheiros de perfume; o prazer que ela tinha em ser ouvida, ao ler; os ombros
mornos de fora, cheios de gotículas que ela não secava direito, quando enrolada
na toalha... O gosto da carne com batatas que fazia. Troco um pesar por um prato
de carne com batatas!
Em sua última fuga levava estrelas nos cabelos, que de longe
atraíam meus olhos. Ora, o que não esperar de um mulher que ganha dos deuses estrelas
para adornar seu penteado!?
Em nossos banhos, inúmeras vezes lavei aqueles cabelos. Molhados,
pareciam algas negras envolvendo minhas mãos. Pelas costas dela e pelos seios
meus, escorria a espuma cheirosa do xampu que ela usava. É uma das saudades
mais sinceras que ela me dá. Não há de existir ritual mais sagrado que este,
onde se lava os cabelos de quem se ama. Perdoem-me o lirismo, mas penso,
inclusive, que a despedida do amor deveria ser assim, um banho onde um devolve
o outro limpo para que o mundo tome conta.
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