Eu quero o que me foge, o que não me vê e não tem intenções de ser nada. O ar perdido que ela tem quando passa. Sabe deus em quais mundos vagueia! Sei que nas madrugadas, vez ou outra, ela é intrusa na minha imaginação. Quase um tormento! Os lábios rijos desenhando confissões fogosas, fora de contexto e de razão. Eu quero o incêndio que suponho! E esses dentes alinhados. Ah, quisera-os arrastando-se em meus ombros, na tentativa de conter um desejo impetuoso que queira sair pela garganta. Que diabos, essa pinta! Essa pinta que não me deixa escolha, pois paixão não tive que não possuísse uma pinta bonita rondando a boca. Paixão, que nada! Mas ela aguça em mim qualquer fantasia absurda. Ela passa e eu lembro das mulheres de Vinicius. Ela passa e o meu corpo, mal tratado por sentimentos de outros invernos, tem ganas de ser, puramente, instinto. Nada mais. Nada quero dessa fragilidade de pássaro novo que ela esconde nos anos e na firmeza dos passos ligeiros. Sempre ligeiros. Levam-me por diante, sem delicadeza, sem permitir que eu lhe roube detalhes. Nenhuma poesia me vem, senão simplórias exaltações. ¡Qué mujer, mira! Ela passa como ventania. Balançando, sem querer, os cabelos escuros e fartos, soltos como ondas noturnas. Ela passa sem saber que eu quero, dentro dos meus, os olhos dela, demoradamente. Dispersos. Esses olhos dispersos que em nada pousam por mais de um minuto. Quero-os, tomara que por capricho! E que ela não saiba! Que não leia nunca a intenção atrevida de provocar, com as pontas dos dedos, seu sorriso raro. Que morra em minha boca essa ânsia de resvalar os lábios pelo breve espaço entre o pescoço e a nuca, que ela jamais expõe, para curiosidade máxima da minha cobiça. Que eu afaste da cabeça a ideia, que minha não pode ser, de nos braços tomar seu corpo, ritmado por tambores e guitarras, pelas vozes desses cantantes. Que eu naufrague o devaneio de ter, entre as suas, minhas coxas, e nas mãos o calor de seu sexo úmido. Antes o inferno que este gozo! Nada quero desses lugares por onde ela andou, dos sabores que lhe chegaram à boca ou dos cheiros que eriçaram seus pelos. E, ainda que eu minta sobre quase tudo, nada quero que não seja descobrir como ela sente, como se entrega, como se desarma e se derrama. Não tenho pretensão alguma, senão descobrir se ela começa por sinestesia, uma dança, uma frase qualquer roçando a orelha, ou se estraga os botões da camisa, vontades impacientes e pernas trêmulas. Ah, mas antes me assombrassem saudades antigas! Ela passa e eu a expulso, nua, do meu pensamento.
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