Não é de hoje que inunda meus ouvidos o som das ondas baixas que branqueavam o negrume das águas e lambiam as minúsculas pedras de areia na beira da praia. Não é de hoje que essa lembrança pede pra ser poesia fora de mim, e eu, com medo de gastar o arrepio que sinto toda vez que me chega, resisto em contá-la. O céu estava tomado de estrelas inacreditáveis. O vento, a meu favor, tirava o vestido dela pra dançar. E eu, que antes não me valia de aventuras extremas, sentia o coração aos pulos de excitação a cada murmúrio de gente que ouvia ao longe. Caminhamos abraçadas, sem falar muita coisa, depois de esgotarmos os diálogos na noite anterior, depois de termos rasgado os acordos em prol da saudade e perdido a noção da hora.
Lembro de abrir os olhos e tê-la sobre mim, e sobre nós o céu. Era
tanta vida nela que se a razão me coubesse eu teria medo. Mas a vida nela era
também um pouco de vida em mim. Não me cabiam as fugas, tampouco me rondavam os
medos. Eu era plena, como o instante dos amantes, que nada antecipa senão o
próprio e inevitável amor. Ela sorria, porque sempre sorri como quem guarda o
segredo do universo sem pretensão de entrega-lo. Lembro-me do jeito impossível
que ela tinha de calar sem desviar os olhos, como se o olhar, ao entregar seus
pensamentos, bastasse. E, por muito tempo, bastaram a mim aqueles olhos úmidos,
de quem nunca precisou se proteger, de quem jamais partiria. Ela sempre ficava.
E me afogava em seus líquidos, tantos... Que às vezes eu me esquecia de
respirar. Não sei se por saudade, por uma sede
que não sacio, ou por todas aquelas estrelas testemunhas, minha camisa branca
ainda guarda o cheiro da areia.
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