Parei no meio da estrada e fechei os olhos, os ouvidos e os poros para os versos que passavam; larguei de mão e de alma essa coisa de poetizar. Tu, no entanto, insistes em dizer que a poesia é nossa por direito, usucapião. Poesia não é casa, minha cara! Poesia não te dá abrigo, não te dá sossego, não te esconde dos teus medos, não cura teu coração esmagado pelas mãos de uma mulher. Poesia não é chá de camomila, mas antes, o café forte que não te deixa dormir em noites infindas neste apartamento velho. Poesia são as putas que bebes e depois te arrependes; é o lado frio da tua cama; o copo que caiu do bidê e, quebrado, cortou teu pé; o sopro no olho de quem tenta te ler; a tua e a minha dor escancaradas no jornal da cidade pra todo mundo ver.
A rua da tua casa não tem saída. A poesia é a rua da tua casa! A poesia é um beco noturno que as estrelas fazem de paraíso; matagal desconhecido por onde tropeças, cais e me levas; pedras que nos atiram; atestado de insanidade escrito na pele que sangra.
A poesia te causou síndrome de estolcomo, e enquanto eu morria de fome tu andavas, sabe-se lá por onde, definhando e rindo entre um verso cativo e outro. E como se não bastasse a tua escravidão, os versos que saem da ponta dos teus dedos seduzem minha liberdade, que corre para as tuas rimas ansiando o abraço fatal que essas palavras dão.
Perigosa, a poesia se disfarça... Finge ser flor na bandeja de café da manhã; se faz ventania que tira a gente pra dançar; usa o cheiro de talco do primeiro amor; é a única gota de perfume que o corpo moreno veste; pinta-se de verde nos olhos de lagoa da moça que beijo; simula o som das notas melodiosas que deslizam entre corpos que morrem juntos... Poesia mascarada, poesia suja, poesia torpe, poesia vil, poesia impossível!
Não me venhas com poesia, que poesia mata! De sede, de fome, de saudade, de vontade... E depois, poeta, quem paga a conta das perdas e da ausência que a poesia já não quer pra si?